Sobre um ensaio de fotos que fiz sobre/no leito da represa de Paraibuna, minhas observações que seguem às fotos:
"O relato de minha caminhada naquela beira entre o sonho e realidade,
em direção ao novo território: vislumbro o quase fundo do rio, o limite
da água que resta; ainda é muito, mas é pouco. Havia luz, muita luz, que
impunha suas condições. Errância, vácuo, longitude, deserto, era o meu
trajeto. Mesmo distante do último leito, mas certamente dentro, abaixo
do seu nível, no interior do rio. O lugar, desconhecido e irrealizado.
Interrompido pois crianças brincam. Tudo-aquilo-brinquedo, cemitério de
árvores que se afundam em represamento. Alguns diriam encantados: “Mas
parece Marte!” - eis o lugar inacessível e pouco visitado, eis o paraíso
desconhecido de meus contemporâneos. Árvores cortadas, árvores caídas,
árvores que resistem, árvores podres, memórias de árvores.
Árvores-pedras, sustentadas pelo tempo; árvores-frutos das brincadeiras
de nossa crianças. Parque de diversões de árvores. Descomedimento de
árvores. Congresso de árvores. Árvores-santas, árvores mortas,
árvores-fantasmas, árvores sem seus frutos proibidos... Árvores gostam
de sol, crianças não gostam de árvores? Não, crianças gostam de represas
- ao menos os infantes de nossos tempos. Ali uma floresta que, mesmo
morta, não se desordena. Não se desagrega. Ali um símbolo, um sinal.
Continuo minha caminhada, mais um pouco... Mais um pouco a dentro, em
estreitas passagens. Outra sua parte seca: encontro mais brinquedos, por
exemplo uma autoestrada que também submergiu e agora expira, artéria
velha onde fluiu a história de carros antigos, movidos a petróleo, fruto
do carvão convertido das... árvores! Ah, aquele lugar... tudo
abandonado e até então inalcançável... até que a seca chegasse, baixando
e desvelando as nossas árvores... Num trecho curto de caminhada eu me
assombro! Totens; espíritos; pedras; estradas; árvores mortas, árvores
inacabadas; represamento de árvores, árvores postiças, restos de pedras
que voltam à vida. Plantel de descomedimentos cultivados pelo
homem-criança. Fantasmas? Mas será que algum dia morreram? Ou será que
nós é que ainda não nos demos conta? Totens, espíritos, pedras,
estradas, pegadas, Arvores... vidas!"
(Fábio Ramos, Agosto 2014, sobre um passeio nas margens e leitos secos da represa de Paraibuna, SP, para registrar uma das mais intensas secas dos últimos cem anos).
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